Tudo em minha volta parecia não combinar com aquilo que havia fantasiado anos e anos em minha cabeça. Os dias com o mesmo dilema, as pessoas de sempre, regras rígidas e o mesmo baixa astral. O ponteiro menor do relógio parecia não sair do lugar, pedi aos céus para que as horas passassem e pudesse me levantar e ir para casa.
Absolutamente todos, inclusive os professores, tinham uma vestimenta obrigatória durante o período de aulas. Alguns uniforme eram bem elaborados, com sobreposições e acessórios extravagantes. O meu, por outro lado, era simples e normais.
Só que no meio de todos, no canto do pátio, encostado no portão enferrujado, havia um garoto. O garoto da jaqueta preta. Vê-lo ali, parado e olhando para o nada, fazia qualquer um esquecer que aquele era o último lugar onde desejava estar.
Ele é tão na dele, não fala com quase ninguém e se isola ouvindo músicas. Não somos diferentes neste ponto. Éramos parecidos, mas um abismo nos separa. Ele é misterioso.
Diversas teorias foram criadas para explicar o seu silêncio, no entanto, nada chega em um desfecho aceitável. Queria saber o que passava pela sua cabeça enquanto escutava aquelas músicas pesadas e cheias de gírias.
Ah, minha mãe surtaria se soubesse dessa quase "suposta aproximação". Tenho certeza!
Em um dia qualquer, nos esbarramos no corredor. Não foi aquela cena clássica dos filmes adolescentes, meus livros não caíram no chão e ele não se ajoelhou para pegá-los, até porque eu não estava carregando nenhum livro. Ele apenas me olhou por seis segundos e saiu andando.
Essa foi nossa única "interação". Durante meses, observei ele com seus poucos amigos, rindo e ouvindo música. Na saída, ele entrava em um carro vermelho estacionado do outro lado da rua e ia embora, provavelmente para casa. Era sempre assim.
Eu sabia que ele trabalhava em uma cafeteria a quatro quarteirões da escola, mas nunca tive coragem de ir até lá, como quem não quer nada. Como pediria um simples café sem ficar encarando-o?
Algumas semanas antes do início das férias de verão, ao entrar na sala de biologia deparei-me com as mesas agrupadas. Atividade em dupla, que tortura.
Quando você está acostumada a fazer tudo sozinha e não depender de ninguém para realizar uma simples tarefa, esses momentos se tornam desconfortáveis e angustiantes.
A professora, uma mulher baixinha de cabelos loiros e olhos enormes, era responsável por definir as duplas. Felizmente, eu não precisaria escolher alguém, o que seria constrangedor. Não fiz questão de me enturmar ou ter "um grupo" de amigos, não desde que mudei de escola pela terceira vez em menos de um ano.
Depois de um sorteio e algumas reclamações dos meus colegas, me vi sentada ao lado de um garoto que não falava e nem olhava para o lado. O garoto da jaqueta preta. O mesmo com quem esbarrei outro dia.
Observei seus dedos tamborilando na mesa, o formato de seu nariz. Observei até ele perceber e me olhar, fazendo com que me virasse abruptamente e fixasse os olhos na lousa.
Piadas eram contadas, bolinhas de papel voavam pela sala e a professora não parava de gritar. Sem me importar com a atividade, já que ele parecia não se importar também, peguei meu livro e comecei a ler. Em certo momento, uma música alta em seu fone de ouvido me fez parar e olhar em sua direção.
"I want to hide the truth. I want to shelter you, but with the beast inside there's nowhere we can hide - Eu quero esconder a verdade. Eu quero abrigar você, mas com a fera dentro de mim não há nenhum lugar onde possamos nos esconder".
Dessa vez não era um rock pesado. Ele ouvia a mesma música que foi escolhida como a minha preferida. Sua voz rouca cantarolava pequenos trechos, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios e, pela primeira vez, ele tirou os olhos de suas mãos e se virou para mim. Seus olhos pretos encontraram os meus.
- Você copia e eu respondo! - disse antes de se virar novamente.
Essas cinco palavras foram as únicas ditas por ele até o fim do ano letivo. Como era de se esperar, ele continuou sendo ele, no canto da sala e do pátio. Ele ainda usava sua jaqueta preta, aquela que o destacava na multidão de pessoas indo e vindo.
Seu mistério não foi desvendado por mim, e eu não cheguei nem perto de descobrir algo a seu respeito. Seu sorriso ficou gravado na minha memória e todas as noites ainda sonhava com aquele momento. O garoto da jaqueta preta deveria sorrir mais vezes!
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